“Talibans arrasam direitos das mulheres no Afeganistão”
É preocupante a abordagem do futuro a partir da nova legislação que respeita ao “vício” e à “virtude” – já fortemente condenada pela Organização das Nações Unidas – que restringe ainda mais fortemente a liberdade das mulheres no Afeganistão.
Estão, agora, proibidas de falar, cantar ou de ler em voz alta.
Rigorosamente para azar destas mulheres é precisamente o Artigo 13 promulgado muito recentemente pelo Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, no Afeganistão, que proíbe as mulheres de cantar, ler ou falar em voz alta em público.
Quedadas e reduzidas ao mais absoluto silêncio, cobertas por um véu, sem que e lhes possa ver o rosto, é esta a miragem desoladora do futuro com que se deparam as mulheres afegãs em pleno Século XXI.
É uma situação que pune e castra severamente um ser humano por ter nascido mulher e as leis não servem – não podem servir – finalidades discriminatórias, nem injustas. Nesta medida, impõe-se, pois, o necessário sobressalto da comunidade internacional no sentido de repudiar, no sentido de encetar-se uma oposição veemente e séria contra tal situação.
A nova lei, constante de um documento que detalha ao longo de trinta e cinco artigos distribuídos, ao longo de mais de cem páginas, prevê que uma polícia da moralidade fiscalize as mulheres afegãs, ao abrigo de alargados e amplos poderes.
O espírito da Lei, não se afigura duvidoso, é político.
É preocupante também a cerceamento de que têm sido alvo as raparigas e as mulheres afegãs no acesso à educação, com particular incidência, por força da lei desde que o governo talibã assumiu o poder.
Os observadores internacionais têm detetado situações que configuram flagrantes retrocessos civilizacionais e que colocam em causa fortemente os direitos mais elementares das mulheres, cujo único direito é, muito periclitantemente, existir.
As mulheres não podem sair de casa sem a companhia de um homem, desapareceram das profissões, da televisão, foram proibidas de trabalhar na ONU e noutras Organizações não Governamentais.
E os motoristas de transportes públicos devem recusar o transporte de mulheres desacompanhadas de homens, com quem possuam laços de sangue, isolando e limitando as mulheres também no seu direito e liberdade de circulação.
Literalmente, as mulheres e as meninas afegãs vão, com esta nova lei deixar de preencher o espaço público, estão segregadas e completamente postergadas.
Grosso modo, as penas previstas para a violação desta nova lei que tem como escopo promover a virtude e prevenir o vício, são advertências, multas, prisão preventiva até três dias.
Porém, os casos de reincidência são tratados com pulso forte: já que o caso será apresentado à Justiça, enquanto instituição, que poderá sentenciar punições físicas, penas de prisão mais longas e até a pena de morte.
As manifestações que desde 2021 se viam na rua, redundaram em muitas detenções, torturas e maus-tratos em prisões. A luta pelos direitos das mulheres passou para o mundo digital, ainda assim com um controlo muito apertado sobre esta luta.
Foi reintroduzido o apedrejamento para casos de adultério, numa reinterpretação da Lei Islâmica.
As mulheres que tentam a fuga do Afeganistão correm um risco inimaginável sob a perspetiva Ocidental.
E também não é fácil para uma mulher recrutar aliados: ser opositor a este regime implica pagar uma fatura muito elevada que via de regra é, nada mais nada menos, do que a própria vida.
Olhada esta realidade com os olhos do modo de viver ocidental é impossível aquiescer, é impossível compaginar e acomodar tanta passividade universal.
Como nos ensina Castanheira Neves, em O papel do Jurista no nosso tempo, que “a única atitude legítima em face de uma ‘lei injusta’ é a de recusa da sua aplicação”.
No limite poderemos afirmar que uma Lei injusta nem sequer se pode considerar integrante do Direito.
Não há dúvidas, mesmo para um leigo, que a nova lei afegã está impregnada de anti-juricidade e, portanto, tal facto não só legitima como recomenda a sua não aplicabilidade prática. No caso em apreço, desde logo, porque a aplicação da lei em causa fere a dignidade humana de uma forma que não se pode aceitar.
Este é um dos casos flagrantes em que se impõe ao intérprete e ao aplicador da Lei que decidam contra legem e devolvam a voz às Mulheres afegãs.
Para tanto, o clamor das comunidades ocidentais sobre esta realidade tem de ser mais sonoro. Pois, como escreveu Kant: “É preciso conceder ao cidadão […] a faculdade de fazer conhecer publicamente a sua opinião sobre o que, nos decretos do mesmo soberano, lhe parecer uma injustiça a respeito de sua comunidade.”
É preciso voltar a dar voz a estas mulheres – ainda que tenha de acontecer através de quem possui os normais direitos e liberdade para tanto – para que digam de sua (in)justiça!
Ana Sofia de Sá Pereira – Advogada